terça-feira, setembro 30, 2003

Magoa

Por quanto tempo alguém consegue carregar uma mágoa? Parece incrível, mas aparentemente é possível se manter magoado durante uma vida inteira. E deve ser mesmo possivel, afinal, para que perdoar alguém que lhe causou uma ferida? Lembrar da pessoa dói, lembrar da ferida sendo feita dói, olhar a cicatriz que foi um dia uma ferida aberta causada por alguém, isso dói.

Me pergunto se seria cristão demais dizer que a dor deveria servir para algo, tipo crescimento. E me pergunto se não seria cristão de menos deixar de perdoar. Ou pelo menos ter uma medida que diferenciasse as mágoas banais das mágoas profundas... mas... cada indivíduo é um. Eu tolero por a mão no fogo por 2 segundos, alguma outra pessoa agüenta 4 segundos, alguns fenômenos podem chegar a 8 segundos. Ninguém sente igual. Se eu puxar seu cabelo e se você puxar o meu, quem sentirá mais dor?

Então eu chego a conclusão de que as guerras são justificáveis, pois todas as mágoas são justificáveis. Palestinos e Israelenses, EUA e resto do mundo, todos têm seus motivos, todos sabem onde o calo aperta. E assim, acabamos com o mundo...

Somos estúpidos, brutos. Nos falta lapidação. Nossas emoções têm que ser intensas para que possamos perceber algo, pois não somos sutis, e não percebemos sutilezas. Gritar um jogo de futebol é necessário. Rasgar a garganta é necessário. Mostrar o ímpeto é necessário.

Ou será que tem outra forma?

A Marca da Besta

A maioria dos boletos bancários do Banco do Brasil que caem na minha mão não podem ser pagos em outro lugar sem ser o próprio Banco do Brasil.

Eu fiquei uma hora inteira numa fila, olhando prum boleto com um código de barras, me perguntando o porquê daquele código de barras, e me lembrei da marca da Besta, que todos carregaríamos um dia, segundo as profecias bíblicas - só não sabia que seria a marca da Besta Quadrada...

O purgatório, além dos açoites e do óleo fervente, deve ser uma fila eterna...

quarta-feira, setembro 24, 2003

8 segundos

Tomo condução vários dias por mês. No horário que saio de casa, sai também um homem de chapéu, bem capiau, empurrando uma cadeira de rodas com um menino de uns 17 anos. Eles vão em direção à marginal da Rubem Berta. Acontece que essa rua em que caminhamos vira uma curta e íngreme ladeira até desembocar na tal marginal. Todas as vezes, o pai empurra a cadeira de rodas numa velocidade "alta". Algo que provavelmente provoca um frio na barriga do menino, ou talvez outro tipo de sensação de prazer.

Não sei se ele é um bom pai. Não sei se o menino é feliz ou não. Assim como não sei o que ocorreu com o menino, muito menos sei pra onde eles vão todos os dias. Sei que aqueles 8 segundos têm algo de especial, são 8 segundos de doação. Este momento está impregnado de algo que desejamos ver e fazer mais na nossa vida e na dos que nos rodeiam. Queria congelar esses 8 segundos e roubar um pouco de sua essência, e usar isso indiscriminadamente por ai...

segunda-feira, setembro 22, 2003

Dia Mundial Sem Carro

E os paulistanos fingiram que não era com eles...

Da Agência Terra:

Quase mil cidades, em sua maioria européias, participam hoje do Dia Internacional sem Carro. O evento deve contar com a participação de 98 milhões de pessoas.

O dia sem automóveis foi criado em 1998 na França por iniciativa da então ministra do Meio Ambiente Dominique Voynet. Rapidamente, a idéia foi adotada por outras cidades da Europa. O objetivo é fazer com que os cidadãos deixem seus veículos em casa e utilizem os meios de transporte públicos, o que reduz a poluição nos grandes centros.

Cidades de praticamente todos os países europeus participam na operação, com exceção da Rússia, impedindo o tráfico de automóveis em seu centro ou em parte dele. Por outro lado, quase todas as cidades asiáticas ignoram a iniciativa da Europa.

No Brasil, dez cidades participam no evento, mas o Rio de Janeiro e a capital Brasília ficaram de fora. Na América Latina, se destacam as cidades de Bogotá (Colômbia), que tem a particularidade de celebrar dois dias sem automóvel por ano, e Buenos Aires (Argentina).

No Canadá, a cidade de Montreal também aderiu ao movimento.

Na França, além da capital Paris, que impede o trânsito em um grande perímetro de seu centro, também se destacam as cidades de Lyon, Lille, Rennes e Estrasburgo Porém, como este ano o dia sem automóveis caiu em uma segunda-feira, algumas cidades francesas decidiram antecipar a idéia para sábado ou domingo.

A Espanha, com mais de 200 cidades, é o país com o maior número de municípios participando na operação, superando Áustria (160), Alemanha (80) e França (72). Na Itália, o dia sem carro não motivou as autoridades. Apenas onze cidades, incluindo Palermo, Siena, Pádua e Brescia, proibiram parcialmente o uso dos automóveis, mas outras aderiram oficialmente ao movimento.

Em Roma, por exemplo, as autoridades disponibilizaram bicicletas para a população em alguns bairros e organizaram eventos explicativos, mas não interromperam o trânsito. Na Grã-Bretanha, 62 cidades, incluindo Londres, participam no dia. A iniciativa mais importante foi adotada no bairro dos museus da capital, onde várias ruas foram fechadas ao tráfico. Uma delas, inclusive, permanecerá fechada durante os próximos seis meses.

Em Atenas, muitas pessoas preferiram caminhar. Além disso, filas podiam ser observadas nos pontos de ônibus e o trânsito não registrava os problemas habituais. Porém, mais do que o dia sem automóveis, as causas para a mudança foram a greve dos táxis e dos postos de serviço.

Na Ásia, Taiwan foi o único país a aderir à idéia. Em Taipé e outras grandes cidades do país, milhares de taiwaneses optaram pelas bicicletas ou patins. Além disso, os meios de transporte públicos reduziram o preço de suas tarifas à metade.

segunda-feira, setembro 08, 2003

Mundo desequilibrado

Em recente e acalorada troca de emails - infelizmente ninguém publicou aqui - uma de nossas novas colegas de pruridos, a Clarissa, levantou uma questão mais profunda, um pano de fundo para vários aspectos discutidos:

"A continuarmos com essa visão que nos é imposta desde antes do nascimento - individualismo, consumismo, competição - e não vamos muito longe."

São aspectos de uma maneira de encarar o mundo de que nem nos damos conta, tantos séculos que eles estão aí. Entristeço-me ao pensar que foram pessoas bem intencionadas e que realmente fizeram muito pela humanidade que, como efeito colateral de suas idéias avançadas em suas épocas, formaram esse paradigma - Newton, Galileu, Descartes...
Sim, vieram deles e de contemporâneos seus a visão do mundo como uma dádiva a ser explorada pela humanidade, mais especificamente pelo homem, aqui no sentido masculino mesmo, não genérico da espécie, e a visão de organismos como máquinas.
Gostaria muito de poder falar com fluência e clareza sobre o novo paradigma da ecologia profunda, em oposição à ecologia "rasa" que perpetua aqueles valores mecanicistas e reducionistas, na medida em que considera que preservar
o ambiente é necessário para que a humanidade continue dispondo de seu parque de diversões. Mas, não por brevidade e sim por falta de habilidade, e à parte quaisquer valores espirituais, que isso é assunto pra toneladas de
bytes, e qualquer que seja a crença de cada um, este paradigma é cabível, pois não coloca restrições nem imposições sobre estes valores - vamos resumir a causa como uma visão orgânica em que o ser humano é parte do mesmo ambiente que todos os outros animais, plantas, fungos, bactérias e pedras que ele mesmo vem, indevidamente, considerando propriedade sua. Somos parte do ecossistema, e não apenas usuários ou usufrutuários dele.
Uma das principais contribuições deste novo paradigma é a noção de que o todo é maior do que a soma das partes - o comportamento emergente de sistemas complexos, desde o nível subatômico até o social, os estados de equilíbro dinâmico nas relações entre as partes do todo e as transições de um estado de equilíbrio para outro, através de crises.
E outra foi trazer à baila outras questões que até poderiam ter sido abordadas sem sua existência, mas que ficaram obliterados pelas conseqüências funestas da visão autoritária, mecanicista e reducionista dos últimos séculos. O que mais me chama a atenção é que a humanidade tem explorado recursos sem se dar conta de que eles são finitos. E não falo de coisas como petróleo ou minerais, mas por exemplo, da água e do ar, dos quais já se tem percebido, últimamente, o abuso que se tem feito.
O consumismo e a concentração de renda (e de propriedades) são reflexo direto da idéia de que se deva crescer sempre, que por sua vez o é da falta de noção da limitação dos recursos. A violência e a desordem, obviamente, resultados dessa concentração de renda e da contradição entre a mentalidade consumista e a falta de poder de compra.

Ando meio ausente, mas assim que puder, gostaria muito de retomar - à luz destas colocações - alguns dos problemas discutidos naquela efervescente troca de emails, já que eles foram analisados por enfoques distintos como os de alguns partidos e outros apartidários, mas todos - exceto o comentário da Clarissa, citado lá em cima - baseados em visões nascidas dentro do mesmo paradigma reducionista e individualista. Ou talvez outros problemas, de discussões vindouras, já que sabe-se lá quando vou conseguir fazer isto.