quinta-feira, julho 29, 2004

Avatar

Tremedeira. Fecho a janela, me cubro, mas continuo a sentir calafrios. Sim, é ela, a gripe. Sozinho em casa, com filha de férias na casa da tia e mulher em congresso de estatística, penso nas 107 pessoas ligadas a mim no tal do Orkut, e imagino pra quem pedir ajuda. Resolvo não ligar pra nenhum amigo. Também não ligo pra ninguém da minha família, simplesmente não comunico ninguém de meu estado lastimável. Afinal, gripe é gripe, quando o vírus completar seu ciclo de vida (ou o ciclo de vida da doença), babau, foi embora, e, além disso, macho que é macho não precisa de canja de galinha da vovó. Nem da ajuda de nada nem de ninguém nem de coisa alguma...Por que eu precisaria? Afinal, a ciência já desvendou boa parte do mistério da gripe: Descongestionante, antitérmico e analgésico, mais um bom chá de alguma receita caseira (com alho, mel, limão e variações...) e cama.

De repente, me cai a ficha: 107 figuras ligadas a mim? Não, no momento da minha tremedeira não havia ninguém ligado a mim. As 107 pessoas estavam talvez ligadas ao meu "Avatar".

Pelo dicionário Houaiss, avatar significa: "1. Rubrica: religião. Na crença hinduísta, descida de um ser divino à terra, em forma materializada [Particularmente cultuados pelos hindus são Krishna e Rama, avatares do deus Vixnu; os avatares podem assumir a forma humana ou a de um animal.] 2. Processo metamórfico; transformação, mutação."

Ou seja, o avatar, pelo jargão dos portais, significa a representação iconográfica da personalidade do visitante. Ou aquela figurinha que representa você no orkut ou uma personagem de videogame que você "encarna" e anima.

E a conveniência de se ter um "Avatar" é algo tão maravilhoso quanto sombrio. Afinal, quem é aquele que foi descrito no orkut e que atende pelo meu nome? Será que é a mesma pessoa que se julga "macho" o suficiente para não precisar de ninguém pra enfrentar uma doença? Ou será que eu conferi ao meu avatar a fabulosa capacidade / necessidade de precisar de todas as pessoas da minha vida, justamente para me isentar de outras responsabilidades perante mim e aos meus amigos? Recentemente, mencionei diversas vezes opinião favorável ao orkut, dizendo que quem define o uso da ferramenta é o homem... Será que estou fazendo bom uso dessa ou de outras ferramentas?

Um avatar é uma face, é a face que se deseja disseminar. Se o ser humano era cindido entre Ser e Ter, e definido com um Parecer, hoje ele começa a classificar o que é e o que parece quando escolhe ser alguém... Ou seja, entre o Ser e o Ter, existe o Parecer. E o desejo hoje é parecer com quem quisermos, a hora que quisermos, vestindo avatares como quem troca de cuecas. Não resolve o problema existencial humano, mas afinal o que resolve?
 Uma última constatação acerca das 107 "pessoas": Não são pessoas, são outros avatares. Outras vontades de poder conectadas à minha vontade de poder. De repente, vazio. E vontade de tomar um canjinha de vó.

Trabalho - Jovens: uma questão de acesso

Trabalho - Jovens: uma questão de acesso

Por Adalberto Wodianer Marcondes

A sociedade deve encontrar maneiras de permitir o acesso dos jovens ao mercado de trabalho. No entanto, nos últimos anos os mecanismos tradicionais de acesso estão sendo sistematicamente fechados ou por evolução tecnológica, ou por falta de visão dos gestores sobre a responsabilidade das empresas em relação ao problema.
Um dos mais tradicionais portais de acesso dos jovens às empresas sempre foi o cargo de office boy. Existem muitas histórias de pessoas que entraram em uma empresa como boys e chagaram a diretores. São histórias de sucesso da construção de relacionamentos e de vocações profissionais a partir de um acesso simples às empresas. O office boy (do inglês garoto do escritório) era um cargo com direitos e deveres dentro das empresas. Tinha como principal tarefa fazer os pequenos serviços e os serviços externos, como levar e trazer, ir a bancos, fazer pequenas compras, etc.
Estas tarefas davam ao jovem ocupante do cargo a oportunidade de relacionamento dentro da empresa, com outros colegas de trabalho mais qualificados, com as secretárias e com outras empresas. Em suas jornadas diárias o office boy tinha acesso a outras empresas e a outros profissionais que se relacionavam com sua empresa empregadora. Isto dava a ele a oportunidade de ver, ouvir, participar de processos, construir suas aspirações ou desejos profissionais baseado em uma convivência diária e rica em oportunidades.
Contudo, as empresas estão fechando as portas a este profissional. Agora não contrata-se mais office boy. Chama-se o moto boy. Um profissional sem futuro, sem relacionamentos, que chega até o portão da empresa com sua motocicleta sem manutenção, retira ou entrega sem ver rostos, sem conhecer pessoas. Trafega pelas ruas desrespeitado pela sociedade motorizada, violentado em suas aspirações e sem construir as bases de seu futuro.
A sociedade está destruindo as rampas de acesso dos jovens ao mercado de trabalho e oferecendo em contrapartida uma típica "solução de mercado". Uma solução que privilegia a velocidade da entrega, a eficiência do processo, sem juízo de valor sobre o que estamos fazendo com os jovens que não construirão suas carreiras dentro das empresas. Sem juízo de valor sobre a sentença de mutilação ou morte que impomos aos jovens "motoqueiros" pelas ruas das cidades.
Muitos utilizam os serviços de motoboys em seus escritórios e acreditam em sua eficiência e baixo custo. Quando, ao final do expediente, saem às ruas em seus carros, criticam: "estes motoqueiros são uns loucos irresponsáveis". Não há relação de causa e efeito. Não há sensação de responsabilidade. Não há uma reflexão sobre o que nós, como sociedade, fazemos com nossos jovens ao negar-lhes o trabalho.
Tratamos os jovens como consumidores, incutimos os desejos, direcionamos as aspirações, estimulamos o livre arbítrio, mas não lhes damos as ferramentas de acesso ao mundo adulto. Precisamos rever nossos "ritos de passagem". É necessário pensar nas pessoas dentro dos processos e não apenas em sua eficiência ascética. Não há mais vagas para bancários, não há mais vagas para arquivistas, exigimos experiência para qualquer trabalho inexperiente, criamos verdadeiros moedores de carne em nossas ruas e vivemos nos perguntando: o que podemos fazer? É simples, podemos prestar atenção no que fazemos em nosso cotidiano e sermos responsáveis pela sociedade em que vivemos. (Agência Envolverde)

Adalberto Wodianer Marcondes é Jornalista e Diretor da Agência Envolverde, e autorizou a publicação de seu texto.


segunda-feira, julho 19, 2004

Ansiedade Tecnológica

Todos os novos meios de comunicação que se infiltraram nas nossas vidas parecem competir entre si por atenção e dedicação. Uma página de internet, os e-mails,  uma lista, um blog, messengers e orkuts da vida, telefones celulares, pdas, Dvds. Além de disputarem entre si, disputam ainda espaço cerebral com os meios de comunicação tradicionais: Televisão, paga e aberta, jornais, revistas, livros, cinemas... Eu, que sou um declarado neófito, me pego pensando em como essas novidades em traquitanas em geral geram ansiedade...
 
Quem teve a oportunidade de entrar em uma Lan House, deve ter encontrado o seguinte: diversos garotos e garotas, de idades entre nove e 17 anos, sentados cada um no seu micro, jogando um jogo aparentemente independente. De repente, uma agitação toma conta de alguns deles, eles gritam, dando bronca ou parabenizando uns aos outros, para depois o silêncio parcial retornar. Com vinte computadores e uma geladeira abarrotada de coca, monta-se uma Lan House. A velocidade de interação e de operação dos controles é espantosa (Meco, conversamos sobre isso, lembra?). Aprender a operar o jogo é relativamente fácil - acompanhar a molecada já é outra história.
 
Acompanhar o ritmo dos avanços tecnológicos atuais é tarefa hercúlea - se é que a força de Hércules tem algo a ver com a destreza mental necessária... Muitos devem se perguntar o seguinte: "Pra que eu tenho que acompanhar?? To bem aqui...". E não tem mesmo. Mas a sociedade cobra esse acompanhamento de várias formas: Seu telefone tem que diminuir pra você ser moderno, seu carro tem que ser trocado pra você ter status, você tem que aparentar juventude eterna e compra biotecnologias em geral, sua TV tem que ser do tamanho do buraco da estante que você comprou (pois a sua ainda boa e nem tão velha 20 polegadas fica parecendo um aquário de um peixe só no espaço da tal nova estante), o seu micro e seus periféricos tem que ser trocado a cada dois anos, sob o risco da temida obsolescência de tudo o que você levou anos para aprender... 
 
Eu sei que esta é a realidade de muitos, porém não de todos. Mas acho que tanto aqueles que gostam de tecnologia são atualizados, quanto quem não gosta mas é obrigado a conhecer por questões profissionais e sociais, acabamos, em algum momento, sofrendo essa sensação de que a tecnologia está gerando um certo sufocamento... Essa ao menos é minha suspeita. Gosto de pensar que ferramentas são extensões do ser humano desde sempre - uma faca, um computador, um hashi, um cobertor. Acho que orkuts e msns da vida são apenas novas ferramentas, que visam aprimorar a forma de relacionamento/comunicação humana. Não sei se conseguem, mas o fato é que é um jeito novo e diferente de fazer as coisas, e nossos filhos farão as coisas desse jeito, até que algo os impeça. Porém, tenho outra suspeita: Ansiedade tecnológica é só ansiedade... Se vivêssemos uma era altamente intelectualizada, talvez a cultura fosse o motivo de competição. Hoje é a tecnologia... Virtudes e erros podem ser levados para o "cyberspace". Tecnologia só muda algumas formas, o conteúdo continua sendo demasiadamente humano.