terça-feira, outubro 14, 2003

quem acha que isso tem que mudar poe o dedo aqui...

Tava relendo, agora na madruga, a matéria da Exame que o Fran circulou na lista, semana passada. E que o Babel respondeu com um questionamento tão flamejante e veemente, a que dou meu completo apoio. O título desta colocação é a pergunta central e crucial da resposta do Babel. Com sua licença, Babel, copio aqui suas reflexões sobre o artigo...

Essa é a doença da otimização infinita do liberalismo... todos temos que ser ótimos, nós e nossos filhos temos que falar inglês, espanhol e preferencialmente mais uma língua, além do português, temos que entender da nossa graduação e de tudo o que possa e não possa se relacionar com ela, temos que ser "pró-ativos", "hands on", estratégicos, temos que "agregar valor" a nossoas empresas, trabalhar o quanto for necessário para o "atingimento" de metas, ainda fazer esportes 3 vezes por semana para não sermos "sedentários", arranjar tempo pra família inclusive tempo marital, tempo paterno, tempo filial, tempo netal, etc...tempo pros amigos, pra ir ao médico, ao dentista, cuidar da mente... Ah, temos que ganhar dinheiro para pagar esse "estilo liberal de vida" e tudo isso em uma semana DE 7 DIAS...

fueda, hein? quem acha que isso tem que mudar põe o dedo aqui...
quem acha que isso pode mudar? quem acha que isso deve mudar?


Babel


Interrompo só para dizer que a "otimização infinita do liberalismo" é a nhaca que é porque tem como variável a ser otimizada apenas o dinheiro no bolso. Quando for buscada a otimização das possibilidades para as gerações futuras, aí sim teremos um outro mundo.

Ah, esqueci da "Educação Continuada"... temos que estudar, fazer pós, fazer MBA, normalmente apenas para a obtenção do título (a vida imita o "banco imobiliário", compremos um diploma e um título...), pois quem trabalha em empresa sabe que o que faz a sua diferença profissional não é sua competência, nem sua pró-atividade, mas sim seu endomarketing, (ó ele ai de novo...), sua lábia, a sua "inteligência emocional"...

Vejam que esse exemplo por si só serve para mostrar como o "liberalismo" econômico, a despeito do que prega, não propicia uma mobilidade social... pelo contrário, quem tem mais, terá sempre mais, quem tem menos, terá sempre menos - é um determinismo, chega a ser um "Darwinismo econômico"...pagar esse estilo de vida é coisa pra quem já nasceu podendo pagar... Me respondam, meus caros e muito respeitados amigos liberais presentes nessa lista, eu não quero ser "flamejante" em minha crítica, mas não dá pra não ser...

Babel


De fato, pagar por um estilo de vida que lhe vai extorquir um pouco mais a cada dia é insustentável. Tou fora. Ou pelo menos a caminho.

Vou continuar estudando sim, mas apenas pelo meu bastante egoísta prazer de saber mais um pouquinho por nada. Pra poder plantar uma rosa no outono e vê-la iluminar dias cinzentos de inverno. Para ler os clássicos do século passado e perceber as referências mais sutis aos dos séculos anteriores. Pra tocar um violão meia-boca pra menos de meia dúzia que vai querer ouvir um amador sem futuro. Pra fazer pão integral no sábado à tarde. Se eu achar por onde fazê-lo, diminuo um pouco o egoísmo desses prazeres compartilhando-os com os amigos.

Vou fazer o que eu quero fazer e se não puder sobreviver, serei um fracassado num mundo em que o sucesso é uma subida íngreme que se afunila, tornando a prosperidade cada vez mais difícil, e se torna escorregadia, aumentando a cada minuto o risco de alguém rolar lá de cima até o fundo do vale, talvez carregando outros na queda. Mas só neste mundo. Porque o mundo não é algo que está lá fora. Está sim dentro de cada um. O grande problema é que botaram em nossas cabeças que o mundo é assim e pronto. Criaram, cultivam e incentivaram o apego ao ponto de o bem que ele fazia a uma comunidade ter-se transformado na base de todo o mal moderno.

Vou tomar uma via lateral. E daí se ela for sem saída? Ou se conduzir inexoravelmente para baixo? Tomo outro. Volto atrás, até se for o caso. Mas ficar aqui não dá mais. É insustentável. A vida que estamos levando não apenas é insatisfatória e fadada à frustração e à desilusão (ou à ilusão eterna, para aqueles que se lhe permitem), como também diminui, a cada geração, as chances de que seja diferente para as próximas.

A única sustentabilidade possível está em fazer o que quer que seja de maneira que as possibilidades de quem vem depois sejam, no mínimo, iguais. E não estou falando de herança financeira - de que adiantará ter mais dinheiro, se houver mais insatisfação, violência, isolamento? Tem de ser possível para nossos filhos (infelizmente não os tenho ainda), sobrinhos, amiguinhos deles e também para o japonezinho do outro lado do planeta, e todas as crianças daqui até ele, por qualquer lado que se resolva ir até lá, ter uma visão do mundo melhor do que a nossa.

Vou fazer o que quero fazer e realizar-me no mundo como eu o vejo. Se for loucura, encontramo-nos do lado de dentro do hospício. Ou comprando prozac na farmácia mais próxima.

Bom dia para todos.
Inclusive para os respeitados liberais.
Cada um na sua, - afinal, a proibição e a censura não são sustentáveis - mas com alguma coisa em comum - o mesmo mundo.

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