terça-feira, junho 15, 2004

Rótulos

Rotular é uma antiga mania humana. Desde os pré-Platônicos. Ora, rotular não é um mal, em si. Raça, religião, sexo, nacionalidade... são rótulos, tanto quanto o são os nomes da taxonomia biológica. Afinal, qualquer exemplar de tubarão é um tubarão, e mais: é um peixe. E nenhuma angiosperma é tubarão, nem mesmo peixe.

Na verdade, mesmo mentes ditas inferiores, como a dos animais não humanos, se utilizam desse processo, embora de maneiras muito triviais: aquilo é um alimento ou não é? aquilo outro é um possível agressor ou não é? Basicamente dicotômico e biológico.

Nós, humanos, ditos superiores, ampliamos o uso para aspectos formais: das cores à estética. A atividade de rotular ajuda o entendimento da realidade e o posicionamento diante dela. Rotular é enquadrar um aspecto qualquer da sua percepção dentro de uma ou mais categorias disponíveis em sua estrutura conceitual. Digo uma ou mais porque há vários critérios: classifico se é um objeto concreto ou abstrato, e se for concreto, posso escolher classificá-lo como uma fruta cítrica ou como um automóvel a álcool. Mas em qualquer dos casos, posso, também e independentemente, classificá-lo como amarelo ou verde.

Ampliamos mais ainda, para os rótulos morais. Há quem diga: "não julgues para não ser julgado" - e quem disse que eu não preciso da validação e do alerta dos meus amigos? Há também quem diga que só Deus pode julgar - pobre daquele que não vê que ele próprio é Deus. Mas não quero começar um discussão espiritual: o aspecto moral já é de grande monta, e nem este era minha intenção... que era apenas a utilidade da rotulagem.

O grande problema começa quando o rótulo começa a ter conotações, como por exemplo, quando um rótulo sob o valor etnia implica, seja para quem o usa ou para que o ouve, a atribuição de outro rótulo, baseado em um valor totalmente independente, como a higiene. Assim, se eu pedir a você para passar este envelope àquele negro sentado na platéia, eu posso estar querendo dizer simplesmente isso, mas você pode pensar "ah, aquele ser talvez humano e digno de nojo" - ou então pode pensar que eu pensei isso e julgar-me: "ah esse cretino acha que negro é diferente de branco". E não é? A cor da pele é, mesmo, diferente. Só isso, nada mais. Se ele for o único negro na multidão e eu quero me referir a ele com precisão, está feito. A maioria dos pretensos moralmente superiores não pensaria algo do tipo se eu pedisse para entregar o envelope à japonesa parada na porta ou ao senhor de cabelos grisalhos no corredor - ah, mas acharia ruim se eu dissesse "o velho". Daí vem o preconceito racial e outros.

A despeito disso, quando não há conotações envolvidas, um rótulo costuma destacar uma verdade, um fato. E isso pode ser um problema ainda maior do que o preconceito, para algumas pessoas! Se uma dondoca se irrita quando a outra lhe diz, discreta e amigavelmente, que sua combinação de batom e blusa é brega, quem poderá prever a reação de um amigo quando o outro lhe diz que está enganado sobre certos fatos da vida?!

Em alguns casos, parece a Monsanto e a Dupont tentando evitar a rotulagem de transgênicos - afinal, o povo já como frango alimentado com hormônios e ração feita de milho transgênico há anos e ninguém se incomodou até agora (ignorando, é claro, o aumento das doenças respiratórias, das más formações hereditárias, da baixa imunidade em geral, da baixa fertilidade dos homens y otras cositas más).

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