segunda-feira, setembro 08, 2003

Mundo desequilibrado

Em recente e acalorada troca de emails - infelizmente ninguém publicou aqui - uma de nossas novas colegas de pruridos, a Clarissa, levantou uma questão mais profunda, um pano de fundo para vários aspectos discutidos:

"A continuarmos com essa visão que nos é imposta desde antes do nascimento - individualismo, consumismo, competição - e não vamos muito longe."

São aspectos de uma maneira de encarar o mundo de que nem nos damos conta, tantos séculos que eles estão aí. Entristeço-me ao pensar que foram pessoas bem intencionadas e que realmente fizeram muito pela humanidade que, como efeito colateral de suas idéias avançadas em suas épocas, formaram esse paradigma - Newton, Galileu, Descartes...
Sim, vieram deles e de contemporâneos seus a visão do mundo como uma dádiva a ser explorada pela humanidade, mais especificamente pelo homem, aqui no sentido masculino mesmo, não genérico da espécie, e a visão de organismos como máquinas.
Gostaria muito de poder falar com fluência e clareza sobre o novo paradigma da ecologia profunda, em oposição à ecologia "rasa" que perpetua aqueles valores mecanicistas e reducionistas, na medida em que considera que preservar
o ambiente é necessário para que a humanidade continue dispondo de seu parque de diversões. Mas, não por brevidade e sim por falta de habilidade, e à parte quaisquer valores espirituais, que isso é assunto pra toneladas de
bytes, e qualquer que seja a crença de cada um, este paradigma é cabível, pois não coloca restrições nem imposições sobre estes valores - vamos resumir a causa como uma visão orgânica em que o ser humano é parte do mesmo ambiente que todos os outros animais, plantas, fungos, bactérias e pedras que ele mesmo vem, indevidamente, considerando propriedade sua. Somos parte do ecossistema, e não apenas usuários ou usufrutuários dele.
Uma das principais contribuições deste novo paradigma é a noção de que o todo é maior do que a soma das partes - o comportamento emergente de sistemas complexos, desde o nível subatômico até o social, os estados de equilíbro dinâmico nas relações entre as partes do todo e as transições de um estado de equilíbrio para outro, através de crises.
E outra foi trazer à baila outras questões que até poderiam ter sido abordadas sem sua existência, mas que ficaram obliterados pelas conseqüências funestas da visão autoritária, mecanicista e reducionista dos últimos séculos. O que mais me chama a atenção é que a humanidade tem explorado recursos sem se dar conta de que eles são finitos. E não falo de coisas como petróleo ou minerais, mas por exemplo, da água e do ar, dos quais já se tem percebido, últimamente, o abuso que se tem feito.
O consumismo e a concentração de renda (e de propriedades) são reflexo direto da idéia de que se deva crescer sempre, que por sua vez o é da falta de noção da limitação dos recursos. A violência e a desordem, obviamente, resultados dessa concentração de renda e da contradição entre a mentalidade consumista e a falta de poder de compra.

Ando meio ausente, mas assim que puder, gostaria muito de retomar - à luz destas colocações - alguns dos problemas discutidos naquela efervescente troca de emails, já que eles foram analisados por enfoques distintos como os de alguns partidos e outros apartidários, mas todos - exceto o comentário da Clarissa, citado lá em cima - baseados em visões nascidas dentro do mesmo paradigma reducionista e individualista. Ou talvez outros problemas, de discussões vindouras, já que sabe-se lá quando vou conseguir fazer isto.

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