quinta-feira, fevereiro 12, 2004

Distribuição de renda

Essa história de botar limite no número de horas trabalhadas, que andou em voga recentemente - e deriva de elocubrações muito interessantes que já li em J.J.Rousseau (Elogio do Ócio) e ouvi do Domênico di Masi (Roda Viva, há muitos anos) - tem um furo, uma inversão de valores.

Quem precisa trabalhar menos para dar espaço de trabalho a outros não são aqueles que já têm a semana limitada em 40, ou 44 ou 36 horas. E ganham uma merreca por cada uma dessas horas.

Quem precisa de limite é quem ganha muito por hora. Se ganha muito por hora, que trabalhe poucas! Além disso, esse é o sujeito que ocupa os lugares onde a maioria gostaria de estar. Mas é por isso mesmo, não? Ele não quer que outros estejam iguais. E depois reclama que não tem tempo de curtir o filho recém-nascido, e desvia a atenção de médicos - que deviam estar tratando de manter e melhorar a saúde do povão - para tratar de seu estresse, de seu cancêr; e desvia a atenção da força policial - que devia estar atrás de bandido - para vigiar se ele não ultrapassa o limite de velocidade (pra relaxar) com sua super-máquina, e ainda avança o semáforo e atropela o pobre coitado que camela para ir trabalhar, camela ao trabalhar e dromedaria para volta pra casa, de quem ainda querem tirar o direito de trabalhar o quanto as forças lhe permitirem, para ver se consegue dar uma base melhor para o filho. Ou para a extensa lista de filhos.

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