quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Preconceito, status quo e saúde pública

Um dos editoriais do Estado de São Paulo de hoje (restrito, na net, só para assinantes) critica a sanção da prefeita Marta ao projeto que institui a medicina chamada de alternativa nas escolas primárias do município.

É claro que o editorialista, em toda sua tacanhez reacionária simplesmente imagina que o projeto preveja que as crianças da rede municipal passem a ser tratadas, por quaisquer problemas, com banhos de luz colorida e aromas diversos. E, facilmente, nessa base, convence o leitorado médio daquele jornal, também reacionário ou, no mínimo, preconceituoso - veja bem, o leitor médio daquele jornal, não vá vestir a carapuça, você que além dele, lê o Coceira no Brioco.

Claro que pode acabar sendo verdade, dado o grande volume de pilantras aproveitadores da credulidade geral do povo, especialmente característica entre os mais pobres. E mais ainda pela facilidade que é burlar qualquer controle sobre pessoas num sistema tão grande quanto o educacional e o de saúde de uma cidade como São Paulo.

Um viés presente no artigo é o uso que o autor faz do termo "alternativa", aplicado à medicina. Alternativo quer dizer simplesmente "outro", "diferente", não leva conotação alguma de melhor ou pior, em princípio.
Assim é com as rotas de fuga do tráfego, por exemplo. Mas, ainda ontem, numa discussão sobre a televisão pública (Cultura, TVE e outras tantas), um dos debatedores levantou este aspecto: alternativa, aqui, leva a conotação de desvinculado dos poderes dominantes já estabelecidos - no caso da TV, os grandes grupos e a impresa oficial. E daí torna-e necessário, é claro, definir quais os caminhos dessa televisão alternativa, entre tantas alternativas (aqui no sentido neutro) possíveis.

No caso da medicina cabe a mesma distinção! Medicina alternativa é o conjunto de todas as formas de diagnóstico e tratamento conhecidos. E uma destas, no mínimo, é reconhecida pelas entidades que zelam pelo bom nome da medicina no país - a homeopatia. E não sei a quantas anda a regularização da acupuntura, mas já há algum movimento nesse sentido. E existem outras, que, se ainda não são conhecidas e reconhecidas por aqui, mostram-se totalmente operantes, como a ayurvédica, que é um conjunto ancestral de conhecimentos sobre saúde na Índia e região - vale dizer que, lá, ela é utilizada pela elite, mais do que pelo povo, que tem más condições nuutricionais e sanitárias, dois dos pilares dessa cultura médica.

Outro ponto a se considerar, ainda, sobre o ponto de vista do editorial é que ele pressupõe que a medicina é passiva, como a justiça: é acionada quando há uma causa ativa - doença e proceesso instaurados, num e noutro caso. Mas a justiça não é a instância maior do processo social de lei e ordem - ela coopera, em igualdade de importância, na manutenção destas lei e ordem, com a educação, o policiamento, a prevenção do delito, a condição de qualidade de vida, entrer outros. E tanto menos acionada é quanto mais eficazes forem estes últimos

Assim, também, temos que considerar a manutenção da saúde. Se a criança não adoeçe não precisa de remédio! Óbvio, não? E quantas maneiras há de se cuidar da saúde?! A nutrição - que hoje nem faz parte do excelentíssimo quadro de especialidades médicas da USP, e provavelmente de nenhuma faculdade brasileira de medicina; a higiene pessoal; a postura, a respiração, a consciência corporal e outros aspectos da educação física, atualmente desprezados em nome do esporte - também importante, claro, mas que tem, atualmente, uma ênfase muito maior na competição do que na cooperação e na auto-superação. Enfim, acho que daria para estender bastante essa lista e vou poupá-los disso, por enquanto.

Mas apenas porque quero destacar outro ponto menos óbvio: o desinteresse das grandes corporações da área farmacêutica, outro pilar de poder no atual mundo globalizado, nessa possível, plausível e democrática manutenção da saúde, tirando-lhe o grande mercado da doença. Povo saudável compra menos remédio. No mesmo barco pode-se colocar as empresas de planos de saúde, obviamente.

Enfim, um único editorial preconceituoso me fez descarregar uma série de assuntos que eu gostaria de abordar com mais profundidade. Tudo bem. Volto depois. E conclamo outros Briocos a se coçarem aqui.

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