segunda-feira, fevereiro 16, 2004

Sustentar o Olhar

A Psicanálise defende o divã como forma de minimizar a inibição entre analista e analisando. Trata-se de uma tentativa de redução da necessidade que o paciente (e o próprio analista, porque não?) tem em "sustentar o olhar do outro". "Sustentar o olhar" é sustentar um "tipo", uma "persona" ou máscara. Para o analista, derrubar a máscara é primordial.

Fora do divã e fora do consultório, sustentamos todos os olhares. Ou seja, buscamos controlar e/ou lidar com a forma como somos vistos e compreendidos. Tal tarefa exige a criação de ferramental apropriado, algo que garanta a nós mesmos enviar uma resposta "satisfatória" a cada ambiente que frequentamos. Os pais e parentes esperam que o núcleo familiar tenha gerado e criado um "ser viável" no aspecto socio-economico; os filhos esperam que as promessas dos pais sejam cumpridas; amigos esperam que você não mude naquelas características que fizeram você ser categorizado como um amigo, cônjuges esperam que o amor nunca acabe, e que os filhos sejam "seres viáveis", etc.

Creio que o sujeito "onde a expectativa foi depositada" não é algo passivo na geração de expectativas sobre si mesmo. Pelo contrário, acredito que este colabore e muito na criação de boa parte dessas expectativas. O proprio sujeito, ou seu superego, se encarrega de cobrar expectativas, e de criar outras tantas. É provável que não exista cobrador maior do que cada um de nós.

Com base em promessas e esperanças, tecemos nossos valores. Cultivamos valores apropriados à sustentação de máscaras sociais adequadas a cada grupo - alimentamos fantasias de sucesso e fracasso, e vamos estabelecendo relações que nos inserem em grupos sociais, - onde somos aceitos e nos permitimos ficar, "desde que" certas condições sejam satisfeitas. Tais condições formam um contrato, quase sempre subentendido, cujos limites e regras encontram-se em algo chamado por muitos de "cultura", de um povo, de uma família, de uma empresa ou instituição.

Quando me refiro a "máscaras", não o faço necessariamente de modo pejorativo. As máscaras servem de proteção ao ser, como o casco da tartaruga protege seus frágeis órgãos. Mas pode haver mau uso nesta "proteção". Analogamente, os grupos sociais também são necessários, aliás vitais, afinal são neles que desenvolvemos coisas comuns a outros, relacionadas com realidades exteriores à nossa. Em grupos desempenhamos papéis, e desenvolvemos sociabilidade. Mas estes grupos se transformam com o tempo, podendo vir a perder substância ou significado. O uso da máscara em um determinado grupo pode se tornar um ritual vazio. Como é o Natal para muitos. Como conviver em meios cujas pessoas, mesmo que ainda queridas, impeçam a evolução de seus membros - ao invés disso, provocam a certeza da aceitação (te amam como você é) e instigam o temor do "mundo lá fora", impedindo o ser de evoluir. O grupo social vira um conveniente "grupo de segurança", onde a "segurança" torna-se um risco real de infelicidade individual. O indivíduo perde quereres individuais e ignora suas próprias necessidades, para continuar os rituais aceitos / cobrados pelo grupo.

Vejo pessoas que vivem em seus "grupos de segurança", onde as regras de "sustentação do olhar do outro" já são velhas conhecidas. Não há necessidade de esforço grande, erros são perdoados e chances são concedidas sempre, em nome um afeto maior que - espera-se - a tudo tem o dever de resistir. Um contrato firmado com um "grupo de segurança", muitas vezes, compromete a "alma" de um ser: sua própria felicidade e satisfação.

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