terça-feira, abril 08, 2008

Crianças Índigo - enviado pelo Bozo em 08/02/2008, texto de uma amiga dele)

Cena cotidiana no centro de São Paulo: farol vermelho, duas amigas dentro de automóvel simples, carros por todos os lados. Estes multiplicam-se incansavelmente nesta cidade casada com a Loucura. A visão do inferno pode bem ser esta mesmo: 30 minutos no mesmo lugar, no carro, sem rádio e a criança em casa te esperando chegar. Mas o caso agora é asfalto para o trabalho, óculos escuros que a vista anda mais sensível nos últimos tempos por inexplicável motivo, incrivelmente animadas neste mundo de maravilhas, mais um dia, graças a Deus.
Assistem o aproximar de meninos de rua: pequeno bando sujo, aos farrapos, estatura baixa, valentes, brabos, fazendo miséria entre os vulneráveis motoristas imobilizados pelo farol e pelo medo - gente do bem, cada um cuidando de si e sem querer nada de ninguém. Moleques malvados, garrafa de cola, cheiro de bueiro, descalços e ágeis, morenos e pretos, roupas gigantes que escondem objetos cortantes, nada a perder, clamando o vale tudo do mundo como deuses sem fé, muito poderosos, muitos, muitos e por todos os lados.
Nossas janelas estão abertas para o mundo e para eles e assim, para esta barulhenta e ameaçadora chegada, aproximação confusa, certa e rápida.
Solitárias em meio aos outros carros, fechados, insufilmados, envidraçados, todos a nos olhar com pena e pesar, que descuido estas meninas, tão lindas.
Fechem os vidros meninas, fechem os vidros, dizem com os olhos. "Não feche o vidro". Não feche o vidro. E no mesmo instante os menores já cercaram o carro em grande burburinho, sobrancelhas cerradas, quanto menores mais agressivos, sobrevivência nos olhos e um baixo tom impositivo na voz: "dá o dinheiro aí". Respiração curta, sem saída, a amiga prende o ar.
E em fração infinitesimal de segundo - esta que não pode ser quantificada nem medida, que costumamos ignorar em grande erro, porque aí é que se operam as grandes transformações da humanidade – tira voz do fundo da alma, bem
verdadeira: "Dinheiro não dou, mas beijo dou".
Que grande alegria, que grande festa chamada Festa de distribuição de beijos na janela no sol na manhã. Crianças aos montes na moldura aberta da vida, meninos grandes e pequenos, de chupeta, chupando dedo, fila, os de longe vindo perto, se é beijo também quero, é beijo que está dando, primeiro eu, primeiro eu, bicos e estalos para todos de sorriso largo, ajeita o cabelo de um, a sobrancelha de outro, o sujo da sua bochecha, mais beijos, muitos beijos, beijos aos montes, kilômetros e kilômetros de beijos, ataque violento de beijos para todos, moleques, vocês merecem beijos. É festa, é festa no centro da cidade.
Os motoristas olham atônitos e incrédulos, esqueceram até que tinham pressa, essa é a revolução de beijo, operando transformação com pequenos gestos e muita humanidade. Talvez um dia morreremos assim: heróicos de amor e credo na vida, mas não hoje. Hoje o farol abriu e todos acenam em despedida – Tchau tia, obrigado! – inchados de coragem e crença no bem, a vida sem mãe faz medo, envidraçados fazem medo - abriu sinal, o mundo se movimenta, e nós entupidas de beleza e miséria, amor e pobreza do mundo, consolo a amiga: eu tinha medo, eu tinha tanto medo, e eles preferiram os beijos, eles queriam beijos, eles não ganham beijos - eu sei, eu sei, todo mundo sabe, mas não quer saber que o cheiro da rua pode entrar no carro e o cheiro do carro pode sair para a rua.

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